Após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarar Jair Bolsonaro inelegível por abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação, nesta quinta-feira (28) os ministros também multaram o ex-presidente em R$ 10 mil por impulsionar propaganda negativa contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.
Foi decidido ainda, por unanimidade de votos, aplicar uma multa de R$ 30 mil para a coligação Pelo Bem do Brasil, que tinha o político do PL como candidato à reeleição. Bolsonaro e a coligação podem recorrer.
O caso envolve a divulgação de 10 anúncios em sites de buscas que direcionavam internautas para uma página com conteúdo negativo sobre o petista. A legislação eleitoral proíbe a chamada campanha negativa, quando propagandas são usadas para atacar adversários. Além disso, o material publicitário estava irregular, não tinha informações sobre o CNPJ do responsável, bem como a expressão "propaganda eleitoral", conforme determina a legislação.
O ex-presidente ainda reúne uma ampla lista de acusações em diferentes esferas judiciais, relacionadas a diversos supostos crimes atribuídos ao seu comportamento e decisões que tomou como chefe de Estado.
A seguir, a DW reuniu algumas das principais acusações e possíveis reveses judiciais que Bolsonaro pode enfrentar.
TCU pode aumentar inelegibilidade
Segundo a decisão do TSE na semana passada, o prazo de oito anos em que o ex-presidente ficará inelegível começa a contar a partir das eleições de 2022, o que significa que Bolsonaro só poderá voltar a disputar eleições em 2030. Há, no entanto, a possibilidade de que o Tribunal de Contas da União (TCU) estenda a inelegibilidade.
O Ministério Público encaminhou ao TCU uma representação pedindo que a Corte apure o dano causado aos cofres públicos pela reunião com embaixadores que motivou a condenação no TSE. No encontro, realizado em julho de 2022 no Palácio da Alvorada e transmitido na íntegra pela TV Brasil, que é pública, Bolsonaro fez uma série de acusações mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro.
O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, pediu a apuração de "dano ao erário decorrente do abuso de poder político e do uso indevido dos meios de comunicação, especialmente por meio de canal público, por parte do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, no contexto da decisão tomada pelo TSE quanto à inelegibilidade".
Em vez das eleições de 2022, uma eventual condenação pelo TCU determinaria como data de início da inelegibilidade o momento do fim da ação ou trânsito em julgado. Dependendo do momento da decisão, a inelegibilidade poderia ser estendida também para as eleições de 2030 e até para as de 2032.
Segundo a Folha de S.Paulo, nos bastidores do TCU é visto como improvável que o tribunal não condene o ex-presidente.
Outras 15 ações no TSE
No TSE, Bolsonaro é alvo de 15 ações além da que já foi julgada e que ainda podem resultar em consequências para o ex-presidente na esfera eleitoral.
Entre os temas a serem analisados pelo TSE está a concessão de benefícios sociais no contexto da eleição presidencial de 2022. Entre o primeiro e o segundo turno, o governo incluiu milhares de famílias no Auxílio Brasil e no auxílio gás, liberou empréstimo consignado para beneficiários do programa e criou financiamento com FGTS futuro, entre outras medidas.
O TSE também deve se debruçar sobre o suposto desvio de finalidade de eventos oficiais como a comemoração dos 200 anos da Independência, a viagem a Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª e o discurso de Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU para obter vantagens eleitorais.
Há ainda, entre outras, ações relativas a supostos atos de campanha realizados por Bolsonaro em prédios públicos como o Palácio do Planalto.
8 de Janeiro
Na esfera criminal, Bolsonaro foi incluído no rol de investigados em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a responsabilidade pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro. O inquérito 4.921, que apura a invasão das sedes dos Três Poderes, é considerado o que pode ter as consequências mais graves para o ex-presidente.
Bolsonaro entrou no rol de investigados a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). O pedido foi assinado por membros do Ministério Público Federal, e não pelo procurador-geral Augusto Aras, que foi nomeado ao cargo pelo ex-presidente.
Na visão do grupo de procuradores, Bolsonaro fez incitação pública à prática de crime ao postar vídeo no dia 10 de janeiro questionando a regularidade das eleições presidenciais de 2022. A postagem foi apagada no dia 11 de janeiro. Em depoimento prestado à Polícia Federal em abril, Bolsonaro alegou ter publicado o conteúdo por engano, quando estava sob efeito de medicamentos.
Para os procuradores, apesar de o vídeo ter sido postado depois dos atos golpistas, é preciso apurar a eventual conexão probatória com o ocorrido e investigar atos relacionados do ex-presidente antes do 8 de Janeiro.
Há uma série de outros inquéritos no STF para apurar as responsabilidades pelos ataques e atos de violência do 8 de Janeiro que podem eventualmente vir a abarcar condutas de Bolsonaro.
Milícias digitais, pandemia, interferência na PF
O ex-presidente ainda é alvo de cinco inquéritos que tramitam no Supremo, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que ainda não decidiu se os enviará à primeira instância.
Além do inquérito sobre o 8 de Janeiro, Bolsonaro é investigado em inquéritos do STF que apuram vazamento de dados de investigação sigilosa da PF sobre ataque cibernético ao Tribunal Superior Eleitoral, associação falsa entre a vacina contra a covid-19 e o risco de contrair o vírus da aids, tentativa de interferência indevida na PF e vínculo com organizações para difusão de fake news sobre o processo eleitoral (milícias digitais e atos antidemocráticos).
No âmbito do inquérito das milícias digitais, o STF autorizou a PF a investigar a introdução de dados falsos de vacinação em sistemas do Ministério da Saúde para gerar comprovantes falsos de imunização para Bolsonaro, sua filha Laura e para seu ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid Barbosa. De acordo com o jornal O Globo, a investigação, que pode implicar Bolsonaro, tramita de forma sigilosa e ainda não foi formalizada como inquérito.
A gestão do ex-presidente durante a pandemia também pode vir a ser objeto de condenações. Ele pode ser investigado no âmbito da Justiça Federal (sem prerrogativa de foro) pelos crimes referentes a omissão, emprego irregular de verbas orçamentárias e charlatanismo no combate à pandemia de covid-19, conforme apontou o relatório final da CPI da Pandemia.
Apologia ao estupro
Como Bolsonaro não tem mais foro privilegiado, o ministro Dias Toffoli, do STF, encaminhou em junho deste ano para instâncias judiciais inferiores duas ações em que o ex-presidente é réu desde 2016. Trata-se dos processos por apologia ao estupro e injúria contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a qual Bolsonaro disse que não merecia ser estuprada por ser "muito feia".
A tramitação das duas ações havia sido interrompida durante o mandato presidencial. O crime de incitação prevê de três a seis meses e o de injúria de um a seis meses de detenção.
Joias sauditas
Desde março deste ano, a Polícia Federal (PF) investiga se houve crime no caso envolvendo joias recebidas pelo então presidente Bolsonaro da Arábia Saudita. Seu governo teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal joias inicialmente avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões - valor que foi posteriormente corrigido pela própria Receita Federal para R$ 5 milhões.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pediu à PF que o caso fosse investigado, afirmando que os fatos revelados pela imprensa "podem configurar crimes contra a administração pública".
Sete de Setembro, vacina sem licitação
No início deste ano, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou o envio de oito pedidos de investigação contra Bolsonaro para serem avaliados pela primeira instância do Judiciário. A maioria diz respeito à atuação o ex-presidente no ato em 7 de setembro de 2022 no qual ele repetiu sua retórica antidemocrática e afirmou que não acataria decisões do STF.
Os ministros Edson Fachin e Luiz Fux também enviaram outros dois pedidos de investigação de Bolsonaro à primeira instância. Um é uma queixa-crime do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por difamação – Bolsonaro disse que o parlamentar negociou compras de vacina sem licitação. Outro é uma queixa-crime da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) contra Bolsonaro, por injúria, e diz respeito aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.
Genocídio indígena
A eventual responsabilidade de Bolsonaro e de ações de seu governo pela tragédia yanomami também está sob apuração. A pedido do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF) apuram se agentes do governo Bolsonaro e o então presidente teriam praticado crimes de genocídio e delitos ambientais que colocaram sob ameaça a vida, saúde a segurança diversas comunidades de povos originários.
Na petição 9.585, que tramita em sigilo no STF, Barroso determinou que sejam coletados documentos relacionados ao quadro de "absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situação", e que possam apontar eventual conivência do governo federal com o garimpo ilegal em áreas indígenas.
Denúncias em Haia
No total, tramitam no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, seis denúncias contra Bolsonaro. A primeira foi protocolada em novembro de 2019, pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, por "crimes contra a humanidade" e "incitação ao genocídio dos povos indígenas". O coletivo lista 33 medidas adotadas na administração Bolsonaro que teriam facilitado o genocídio de indígenas.
A segunda denúncia é de abril de 2020, apresentada ao TPI pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que busca responsabilizar Bolsonaro por "atitudes absolutamente irresponsáveis” na gestão da pandemia de covid-19 e pede que ele seja enquadrado em crime contra a humanidade por expor a vida de cidadãos brasileiros.
Também em 2020, o PDT apresentou outra denúncia contra Bolsonaro ao TPI, acusando-o de crime contra humanidade por contrariar determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotar uma postura negacionista que agravou a curva de óbitos e infectados no país.
A quarta denúncia também aborda o genocídio indígena e foi apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O governo Bolsonaro é acusado de tomar ações deliberadas para exterminar etnias indígenas, com aval ao garimpo ilegal e total negligência à saúde indígena.
Até o Movimento Brasil Livre, cujos integrantes chegaram a apoiar Bolsonaro, recorreu a Haia no final de 2021, pedindo que ele seja julgado pelo crime de genocídio por causa das ações na pandemia. Essa foi a quinta denúncia.
A última delas foi protocolada em maio passado, por entidades internacionais – Deutsche Umwelthilfe, Avaaz, Bourdon & Associates e AllRise –, que aponta uma suposta responsabilidade de Bolsonaro pelo aumento do desmatamento na Amazônia, elevação da emissão de CO2 no planeta e do número de incêndios na floresta.
O TPI atua em casos relacionados a quatro crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade (crimes ocorridos contra a população civil num contexto sistemático) e crime de agressão (o ato de usar a força armada contra outro Estado). Mas é um tribunal subsidiário, que atua somente caso as instituições nacionais não julguem potenciais acusações sobre esses crimes.
lf/md/mb (DW, ots)