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Cais do Valongo pode perder título de patrimônio da humanidade

Declarado patrimônio da humanidade em 2018, o Cais do Valongo pode perder o título pelo abandono da região

Felipe de Moura*

O Cais vira uma piscina quando a região é atingida por fortes chuvas
O Cais vira uma piscina quando a região é atingida por fortes chuvas
Tânia Rego/Agência Brasil

O Cais do Valongo, no Centro do Rio, pode perder o título de patrimônio da humanidade, concedido em 2018 pela UNESCO, por conta do abandono da região. O principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas está em condições precárias e sem manutenção.

Uma vistoria feita no local, pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União (DPU) nesta terça-feira (10), apontou que diversos compromissos firmados com a Unesco, em 2018, até agora não foram cumpridos. Dentre eles, está a criação do centro de acolhimento turístico e do memorial da celebração da herança africana.

"Foi verificado o estado precário do edifício "Docas Dom Pedro II" e também o estado de abandono de políticas públicas de conservação do Cais. Além disso, não há nenhuma sinalização que indique que o local é o Cais do Valongo é um patrimônio da humanidade, que contextualize a história do Cais e com toda a região da zona de amortecimento, que é a da pequena África", disse Rita Cristina de Oliveira, defensora pública coordenadora do grupo de trabalho de políticas étnico-raciais da DPU.

Além disso, em dias de chuva, o sítio arqueológico se transforma em uma piscina, por causa dos problemas de drenagem. Outras irregularidades apontadas pelas autoridades são a ausência iluminação, indicação e sinalização para os turistas.

"Eu não consegui encontrar muitas placas, muitas coisas fora as informações na internet. É muito bom o turista estar bem orientado e informado para não entrar em caminhos tortuosos. E ainda não percebi nenhuma força policial para me sentir mais seguro", comentou Igor Neiva, turista de Belo Horizonte que visitou o Cais.

Descoberto durante as escavações do Porto Maravilha, em 2011, o Cais foi construído em 1811 e aterrado em 1911. De acordo com estimativas, cerca de 1 milhão de negros desembarcaram no local. O Cais do Valongo representa um memorial de um passado de luta e resistência contra o regime escravagista.

Em 2019, mais de R$ 2 milhões foram investidos pela iniciativa privada somente para a segunda fase das obras de conservação.

De acordo com a defensora Rita, o local necessita de uma série de reformas, restaurações e preservação. Para ela, é fundamental que o comitê de gestão do Cais do Valongo seja restituído, para que toda a sociedade desenvolva, junto com o poder público, as ações de preservação.

"O que justifica esse estado de abandono é o racismo. O racismo nas suas diversas dimensões. Dimensões ambientais, porque existe uma interdição do direito à memória da cidade, nesse espaço que é dinamizado por esse racismo estético, cultural em relação a tudo o que diz respeito ao patrimônio afro-brasileiro. E também como estrutura social, que sempre isola e coloca a população negra numa situação de periferia, violência e invisibilidade", afirmou Rita Cristina.

*Estagiário sob supervisão de Natashi Franco