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Depressão e ansiedade: doenças invisíveis que paralisam as mulheres

Transtornos incapacitaram uma trabalhadora a cada seis minutos nos últimos anos e levaram à internação médica mais de 100 mil

Metro Jornal

Dados fazem parte de levantamento inédito realizado pelo Metro Jornal
Dados fazem parte de levantamento inédito realizado pelo Metro Jornal
Priscila Belavenute/Metro

A Izabella Camargo, 41 anos, é jornalista, a Mônica Seixas, 35, deputada estadual, e a Emanuela Fernandes, 24, vende capinha de celular na região central de São Paulo. De realidades sociais distintas, as três dão rostos a uma estatística repleta de preconceitos, mas que está presente na vida de tantas outras: a de mulheres que precisam dar uma pausa para cuidar da saúde mental. 

Números do Ministério do Trabalho e da Previdência apontam para a concessão de um auxílio doença a cada seis minutos no país para trabalhadoras do sexo feminino. Foram 280 mil afastamentos entre 2017 e abril de 2020, dados mais recentes disponíveis sobre o benefício e obtidos pelo Metro Jornal via Lei de Acesso à Informação. São mulheres o suficiente para encher quatro estádios do Maracanã ou o equivalente a duas vezes a população de São Caetano, na Grande São Paulo. O número é 133% maior que o de homens afastados pelos mesmos motivos no período (120,1 mil). 

No sistema de saúde, a quantidade de internações por depressão e ansiedade também assusta entre mulheres. A reclusão para tratamento hospitalar é considerada situação limite no tratamento. Entre 2019 e 2021, 113 mil chegaram a este estágio. São mais internações femininas para cuidar de transtornos mentais do que os registrados por doenças como gastrite, câncer de útero e dengue, por exemplo. As internações representam a ponta de um iceberg imenso de casos de transtornos mentais femininos, muitos deles negligenciados ou tornados invisíveis. 

Os dados do Ministério da Saúde fazem parte do levantamento inédito realizado pelo Metro Jornal para entender, literalmente, o que se passa na cabeça das mulheres. Foram três meses pesquisando dados com órgãos oficiais, médicos especialistas e, principalmente, ouvindo relatos de mulheres que chegaram ao limite. 

Psicólogos e psiquiatras ainda não possuem um consenso sobre os motivos que levam elas ao topo dos casos de transtornos mentais relacionados ao humor. Mas concordam em relacionar a sobrecarga de tarefas, pressões sociais e a violência doméstica aos principais gatilhos que motivam quadros de depressão e ansiedade nelas. 

Bater as metas da empresa enquanto socorrem o filho doente na escola e pensam no que fazer para o jantar. As mulheres já acumulavam funções todos os dias. E a pandemia trouxe contornos ainda mais dramáticos ao problema, com elas realizando cuidados com a família em tempo integral, além das tarefas habituais do trabalho dentro de casa. Para outras tantas sem o privilégio do home office, a solução foi, muitas vezes, largar o emprego. 

A depressão é o transtorno com maior número de registros. Mas são os casos de ansiedade os que mais cresceram neste período de pandemia. A busca mensal por atendimento ao problema nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da cidade de São Paulo subiu 119% entre 2019 e 2021 para as mulheres. Já entre os homens, a alta atingiu 61%. 

E apesar de dados gritantes sobre a emergência mental delas, o sentimento da maioria é de invisibilidade. “Quando cheguei ao meu limite e precisei ser afastada do emprego, os colegas me questionaram se não estava inventando desculpas para não trabalhar, se não era exagero. Parece que ninguém conseguia ver a sobrecarga a que estava submetida”, conta a vendedora de seguros Eliane, 33 anos. Assim como parte das mulheres que ajudam a contar essa história, ela terá o nome verdadeiro preservado por continuar no mesmo emprego e ter medo de represálias e preconceitos. 

Eliane sentiu o peso da rotina quando voltou de licença maternidade transferida para uma região mais distante. Seu dia a dia passou a ser de quatro horas no trânsito, um bebê que exigia cuidados e os afazeres de casa. Na empresa, as mesmas metas e cobranças da mulher sem filhos e vivendo próxima do escritório. 

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que as mulheres se dedicam quase duas vezes mais aos afazeres domésticos do que homens. A pesquisa mais recente, de 2019, indica que elas passam 21,4 horas por semana cuidando de pessoas da casa e em trabalhos como cozinhar e limpar. Para eles, essa média é de 11 horas. 

É o trabalho sem remuneração, mas essencial ao funcionamento das estruturas. De acordo com a ONG Oxfam, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidados sem receber por isso. Se transformado em renda, uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – três vezes o valor da indústria de tecnologia. 

A crise econômica nos últimos anos tem levado um número cada vez maior de mulheres a chefiar famílias, deixando sobre elas a responsabilidade dos afazeres domésticos e da garantia de renda. “Eu já vinha de situação de alto estresse e sinais no meu corpo de que o psicológico não estava bem. Na pandemia, meu marido foi demitido e senti uma pressão adicional em continuar no emprego. Fui diagnosticada com burnout extremo, com pedido de afastamento. Mas me recusei a parar com medo de perder o emprego. Fui ao meu limite até perceber que precisava me tratar”, conta Jéssica, 33 anos. 

Em 1995, apenas 22% das famílias eram sustentadas por mulheres, porcentagem que em 2019 alcançou 48,2%, indica o IBGE. A quantidade de casas que contam apenas com a figura da mãe também cresce desde 2017, alcançando 12,7 milhões de pessoas no último levantamento. Em 52% desses casos, a família vivia na linha da pobreza. 

A antropóloga da PUC-SP e pesquisadora da condição feminina Carla Cristina Garcia explica que os trabalhos domésticos se tornaram invisíveis por não dar lucro no atual modelo de sociedade e que o acúmulo de tarefas foi naturalizado para a mulher. “Quando você está em casa, fica sempre pensando nas coisas que precisa fazer no seu trabalho. Quando você está no seu trabalho, fica pensando em tudo que precisa fazer quando chegar em casa. O que faz com que você não esteja nem em um lugar nem em outro completamente concentrada. Isso causa um cansaço psíquico e físico nas mulheres enorme.” Ela afirma que a pandemia fez essa dupla presença se acumular em um espaço só, que é a casa, tornando o desequilíbrio visível. “Ficou evidente essa questão da multitarefa impossível, que você tem que participar de uma reunião ao mesmo tempo que a criança está pedindo alguma coisa. E o companheiro que vive na mesma casa se fecha no quarto e ninguém atrapalha.” 

Gerente-geral executiva do Instituto Cactus, Luciana Rossi Barrancos lembra que pensar a saúde mental das brasileiras é proporcionar também condições dignas de vida. “A gente precisa pensar em acesso à educação, à moradia, trabalho e renda para garantir a saúde mental das pessoas.” 

O instituto surgiu há dois anos com foco nos transtornos mentais em mulheres e adolescentes. Luciana conta haver uma preocupação especial com as mais jovens. “É uma fase negligenciada e de importante atenção para a prevenção. Metade dos problemas com saúde mental começa antes dos 14 anos e 75%, antes dos 24.

Este texto foi originalmente publicado no METRO JORNAL

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