Um tribunal de Hong Kong considerou 14 ativistas pró-democracia culpados de subversão nesta quinta-feira (30/05) por terem realizado primárias não oficiais em 2020 para selecionar os candidatos da oposição para o parlamento da região semiautônoma chinesa. Dois acusados foram absolvidos pelos juízes da corte.
A decisão faz parte de um longo processo em que 47 pessoas, entre ativistas, políticos e uma jornalista, foram acusadas de organizar o pleito – atividade que o tribunal considerou uma ameaça para o governo. Elas foram presas em janeiro de 2021.
Até o momento, 114 acusados foram condenados por crimes relacionados com a lei de segurança nacional, introduzida em 2020 para reprimir a dissidência na região. O processo contra o grupo de 47 pessoas foi o maior no que diz respeito a essa lei. O julgamento aconteceu sem júri, e os juízes foram selecionados a partir de um grupo de juristas escolhidos pelo líder de Hong Kong.
Além dos julgados nesta quinta, há mais 31 pessoas que se declararam culpadas. Ainda neste ano, deverão ser marcadas audiências em que as defesas poderão apresentar eventuais atenuantes para determinar as penas, que podem chegar à prisão perpétua.
Primárias não oficiais atraíram 610 mil
As primárias de julho de 2020 atraíram cerca de 610 mil pessoas, mais de 13% do eleitorado registrado na cidade. Mas o governo adiou as eleições legislativas naquele ano, alegando riscos para a saúde pública durante a pandemia.
O Ministério Público acusou o grupo de tentar garantir uma maioria legislativa, o que poderia viabilizar vetos ao orçamento e assim paralisar o governo de Hong Kong e derrubar a então líder da cidade, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor.
"Na nossa opinião, isso teria resultado numa crise constitucional para Hong Kong", escreveram os três juízes na sentença.
As detenções fazem parte de uma campanha para eliminar a oposição que, nos últimos anos, transformou o cenário de Hong Kong. O regime liderado por Xi Jinping tem apertado o cerco sobre Hong Kong, cidade com status administrativo especial desde que foi devolvida à China pelo Reino Unido, em 1997. Na época, Pequim havia prometido liberdades ao território.
Lawrence Lau, um dos ativistas declarados inocentes, pediu à população que continuasse a apoiar os restantes membros do grupo. "Espero que todos continuem a se preocupar com os nossos outros amigos neste caso", disse na saída do tribunal.
As autoridades de Hong Kong anunciaram mais tarde que iriam recorrer das duas sentenças de inocência.
A ativista Alexandra Wong, conhecida como "Grandma Wong", também tentou fazer um protesto antes de a polícia a levar para o outro lado da rua, para uma área cercada. "Libertem imediatamente os 47!", gritou, agitando uma bandeira britânica. "Apoiem a democracia, apoiem os 47!"
Reação internacional
A ministra do Exterior da Austália, Penny Wong, manifestou a sua preocupação com as condenações, acrescentando que iria levar ao "mais alto nível" a questão do destino de um cidadão australiano que está entre os condenados.
O Consulado Geral Britânico também manifestou a sua preocupação, afirmando, em declarações à AFP, que o caso demonstra "a erosão da oposição política significativa em Hong Kong".
Os Estados Unidos já tinham aplicado sanções a seis funcionários chineses e de Hong Kong em resposta às detenções de 2021.
A China não fez qualquer comentário imediato sobre a decisão de quinta-feira, mas divulgou uma declaração em resposta às críticas ocidentais sobre a detenção de sete outras pessoas nesta semana por publicações nas redes sociais consideradas uma ameaça para o governo.
"Aconselhamos os países e os políticos a encarar a realidade de frente, a manter uma posição objetiva e imparcial... e a deixar imediatamente de interferir nos assuntos de Hong Kong e nos assuntos internos da China", afirmou um porta-voz do Ministério do Exterior de Hong Kong.
Protestos e polêmica lei chinesa
Hong Kong viveu em 2019 a pior crise política desde a transferência da soberania do território do Reino Unido para a China em 1997, com sete meses de protestos em que milhares saíram às ruas para exigir reformas democráticas na antiga colônia britânica. Mais de 9 mil manifestantes chegaram a ser detidos na época.
Em junho de 2020, a resposta de Pequim aos protestos em Hong Kong surgiu com a imposição da lei da segurança na região administrativa especial chinesa, o que levou ativistas a refugiarem-se no Reino Unido e em Taiwan. A lei pune "atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras" com penas que podem chegar à prisão perpétua.
Pequim criou ainda o Gabinete de Salvaguarda da Segurança Nacional em Hong Kong, oito dias após a entrada em vigor da nova legislação, e a polícia passou também a ter poderes reforçados, para garantir o cumprimento da lei, criticada pela comunidade internacional e organizações de direitos humanos, que argumentam que ela ameaça à autonomia do território.
sf/cn (AFP, Lusa)