Cientistas descobriram um rio de cerca de 460 quilômetros de extensão (aproximadamente a distância entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro) que corre debaixo do gelo na Antártida, no Polo Sul.
O achado, de acordo com os estudiosos, mostra que a região tem um fluxo de água muito mais ativo sob as geleiras do que se pensava anteriormente --o que poderia estar acelerando inclusive a perda de gelo no continente, que já sofre com o avanço das mudanças climáticas.
A Antártida é o continente mais frio da Terra: a região abriga 90% do gelo do planeta em uma área equivalente a cerca de 1,5 vezes a do território dos Estados Unidos. Nos últimos anos, o aumento da temperatura global tem intensificado o derretimento das geleiras: outro estudo, publicado em 2019, apontou que o degelo das calotas polares cresceu 600% em um período de 40 anos.
Neste novo estudo, publicado no periódico Nature Geoscience, cientistas mostraram que o rio “escondido” coleta água de uma área do tamanho da França e da Alemanha juntas a partir da base da camada de gelo na Antártida.
Segundo Martin Siegert, professor do Imperial College London e um dos co-autores do estudo, a região analisada possui gelo suficiente para elevar o nível do mar globalmente em até 4,3 metros.
“Quanto desse gelo derrete --e com qual rapidez isso acontece-- é algo que está ligado a quão escorregadia é a base do gelo. O sistema fluvial recém-descoberto pode influenciar fortemente esse processo”, afirmou Siegert em um comunicado.
Sabe-se, hoje, que a água pode aparecer em estado líquido debaixo das camadas de gelo a partir de duas principais maneiras. Uma delas é a infiltração de água derretida proveniente da superfície, que escorre através de fendas profundas. Já a outra está relacionada ao derretimento na base das geleiras, causado pelo calor natural da Terra e pelo atrito à medida que o gelo se move.
Na Antártida, no entanto, a superfície não derrete em quantidade suficiente para criar as chamadas fendas profundas, já que os verões no continente ainda são extremamente frios. Por isso, estudiosos acreditavam que não deveria haver muita água na base das camadas de gelo da região --o que, agora, é colocado em xeque a partir dos resultados encontrados no estudo.
“Quando descobrimos lagos sob o gelo da Antártida há algumas décadas, pensamos que eles estavam isolados uns dos outros”, declarou Siegert.
“Agora, estamos começando a entender que existem sistemas inteiros lá embaixo, interconectados por vastas redes fluviais, assim como se não houvesse milhares de metros de gelo em cima deles”, disse o professor.
A descoberta da existência deste fluxo d’água subglacial na Antártida foi realizada a partir de imagens aéreas de radar junto a fórmulas de modelagem matemática.
Para Christine Dow, pesquisadora da Universidade de Waterloo, no Canadá, o achado pode ser o elemento que faltava para que os cientistas possam de fato compreender o derretimento do gelo na Antártida.
“A partir de medições de satélite, sabemos quais regiões da Antártida estão perdendo gelo e quanto estão perdendo, mas não sabemos necessariamente por quê. Essa descoberta pode ser um elo perdido em nossos modelos. Podemos estar subestimando enormemente a rapidez com que o gelo derreterá ao não levar em conta a influência desses sistemas fluviais”, disse em um comunicado.