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Bolsa Família é só assistencialismo? Ex-beneficiário e especialistas comentam

Jovem maranhense diz que o Bolsa Família foi importante para ele se formar na universidade e superar a pobreza, enquanto especialistas defendem contrapartidas

Por Édrian Santos

Bolsa Família
Bolsa Família
Foto: Agência Brasil

A o lançamento do Bolsa Família reformulado, nesta quinta-feira (2), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), traz à tona a discussão sobre programas sociais que “dão o peixe e ensinam a pescar” versus o “assistencialismo eleitoreiro”. Mais que transferência de renda para os pobres e extremamente pobres, especialistas e ex-beneficiário ouvidos pela Band expuseram pontos de vistas em prol das oportunidades que podem surgir.

Criado em 2003, por meio da Medida Provisória 132, o Bolsa Família se tornou o principal programa de transferência de renda aos mais pobres no Brasil, além de ser considerado o maior do mundo. Já em 2004, a Lei 10.836 instituiu o benefício e possibilitou a unificação de outras medidas do governo federal no combate à pobreza, a exemplo do Bolsa Escola (2001), Bolsa Alimentação (2003), Vale Gás (2002).

Durante parte do governo de Jair Bolsonaro (PL), o programa foi substituído pelo Auxílio Brasil, período em que a transferência de renda do governo federal para os mais pobres saiu da média de R$ 192 mensais para o mínimo de R$ 400 e máximo de R$ 600. Por outro lado, o governo não exigia contrapartidas das famílias, diferente do Bolsa Família de 2003.

O novo modelo surgiu com o Auxílio Emergencial, que minimizaria os danos econômicos causados pela pandemia de covid-19. Em 2022, o governo federal, então, oficializa o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 por família, visto por críticos como um programa eleitoreiro.

“Dar o peixe e ensinar a pescar”

Marcelo Neri, diretor da Fundação Getúlio Vargas Social (FGV Social), explicou quando a transferência de renda, para ele necessária no combate à pobreza extrema, pode se tornar apenas um assistencialismo eleitoreiro. Para o especialista, exigir contrapartidas para o recebimento de benefícios é importante para promover a mobilidade social.

“O primeiro ponto é a ideia de que você dá o peixe, mas ensina a pescar. Essas condicionalidades têm um papel muito importante para que a nova geração dos filhos não seja pobre como a geração dos pais”, pontuou Neri em entrevista ao BandNews TV.

Em outro momento, Neri criticou a forma com que o Auxílio Brasil foi distribuído, cujo foco era a família, mas não o indivíduo. Ele detalhou que, em um ano, cresceu o número de famílias unipessoais, quando compostas por apenas uma pessoa, como forma de burlar o sistema para receber o benefício, supostamente de forma indevida.

Na questão do assistencialismo, acho que é esse pagamento por família em vez de ser por pessoa. Isso acabou gerando um incentivo, já no Auxílio Brasil, de fragmentação das famílias. Famílias unipessoais aumentaram de 15% para 26% em um ano. Você incentiva adultos a formarem famílias diferentes para efeito de cadastros

Com a assinatura da MP, o Bolsa Família vem com novidades. O valor salta da média de R$ 192 para os mesmos R$ 600 prometidos por Bolsonaro quanto ao Auxílio Brasil. Além disso, haverá um acréscimo de R$ 150 por criança de até seis anos e um adicional de R$ 50 para jovens menores de 18 anos.

Feito o paralelo entre o Bolsa Família e o Auxílio Brasil, o principal critério de seleção das famílias para o recebimento do programa criado no primeiro mandato de Lula é a renda per capta. Quanto maior o grau de pobreza, maior é a prioridade do beneficiário.

Depoimento de ex-beneficiário

O jovem Samuel Quadros, nascido em Carutapera, cidade do Litoral Oriental do Maranhão, foi uma criança e adolescente assistida pelo Bolsa Família. Ele relatou à Band que apenas a mãe, com baixa escolaridade, mantinha a casa, além de uma contribuição semanal do pai que não residia com a família.

O Bolsa Família era, realmente, o que ajudava a manter, principalmente no que diz respeito à compra de material escolar, compra de coisas básicas no dia a dia, alimentação mesmo

Hoje, Quadros é assistente social, formado pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi), ingressante como cotista por estar em condição de vulnerabilidade socioeconômica. Sozinho, saiu da pequena Carutapera para se dedicar aos estudos na grande Teresina, capital piauiense. Lá, por não ter renda, continuou dependente do Bolsa Família que a família dele recebia no interior do Maranhão.

“Não era muito [dinheiro do Bolsa Família], mas era o suficiente para mim, que estava em outro estado, outro contexto, com pessoas que eu não conhecia. Então, o Bolsa Família foi muito importante até mesmo para a conclusão e permanência do meu curso”, relatou o assistente social.

Por não ter residência nem parentes em Teresina, Samuel precisou morar dentro da universidade. Para isso, precisava comprovar ser baixa renda, o que foi possível devido à inscrição dele no CadÚnico, mesmo sistema usado para selecionar os beneficiários do Bolsa Família.

Atualmente, Quadros não depende mais do programa. Formado, ele faz residência em Reabilitação no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), onde recebe uma bolsa de R$ 4,1 mil.

Importância da transferência de renda

A questão central é: qual a importância da transferência de renda para famílias extremamente pobres e pobres, a fim de melhorar os indicadores sociais de um país, cidade, estado? Quem responde isso é a assistente social Poliana de Oliveira, doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi).

Para a pesquisadora, que atua com temas voltados ao Bolsa Família, programas de transferência de renda não são exclusividades do Brasil. Na verdade, são uma realidade bastante comum na América Latina. Segundo ela, tais assistências garantem necessidades mínimas à dignidade humana, como o alívio imediato da fome.

Vale lembrar que o Bolsa Família foi criado como um conjunto de ações que vai além da distribuição de dinheiro. O programa está diretamente ligado à frequência das crianças e adolescentes na escola, vacinação em dia, além de ser porta de entrada para outros benefícios federais, como a cota social em universidades, viagens interestaduais gratuitas e meia-entrada para pessoas de baixa renda.

Mas como? Essas famílias precisam estar inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, sob o acompanhamento dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de cada município. Após essa análise que confirma a vulnerabilidade socioeconômica, o grupo familiar passa a receber o Bolsa Família e é incluído a outros programas para pessoas carentes.

Preconceito

A pesquisadora entrevistada pela Band rebateu alegações sobre a o Bolsa Família estimular pessoas a não trabalharem. Críticos pontuam que, por receber o dinheiro do governo, jovens optam por viverem de assistencialismo.

“Não há comprovação de que o Bolsa Família leve as pessoas a não trabalharem. Ele, na verdade, melhora as condições sociais para que a família tenha condições de escolher e não realizar trabalhos eventuais que são extremamente mal remunerados. As fiscalizações e tentativas de se instituírem uma porta de saída ao programa já existiam. E, sobre os valores pagos, o aumento através do Auxílio Brasil foi essencial”, analisou Poliana.

Essa “porta de saída” do Bolsa Família citada pela pesquisadora depende da melhora socioeconômica do beneficiário. Quando ocorre a mobilidade social, ou seja, migra de uma situação de pobreza para classe média, por exemplo, entende-se que aquele núcleo familiar não precisa mais depender financeiramente do Estado para necessidades básicas, como a alimentação.

Muito dessa mobilidade depende, por exemplo, do respeito às condicionalidades estipuladas pelo programa. A principal exigência é assiduidade dos filhos dos beneficiários na escola. Nesse sentido, quanto maior a escolaridade, melhores serão as chances de a criança ou adolescente, hoje assistidos pelo Bolsa Família, conseguirem um emprego com boa remuneração, o que os tirariam da atual realidade de pobreza.

Obrigações do Estado

Por outro lado, além do cumprimento das condicionalidades por parte das famílias, o Estado também precisa garantir que os beneficiários tenham acesso às exigências. A pesquisadora da Ufpi exemplifica como deve ocorrer o olhar crítico dos assistentes sociais ao visitarem os assistidos.

São muitas as questões que perpassam ao não cumprimento das condicionalidades, destacando-se o bullying, a violência, drogas, etc. Neste período pós-pandemia, o acompanhamento das condicionalidades vai ser essencial para aproximar novamente essas famílias das escolas, dos serviços de saúde

Na atuação como doutora, Poliana salienta dados que mostram, mesmo em relação a valores baixos, que a transferência de renda causa um impacto positiva nas famílias extremamente pobres e pobres. Como assistente social e servidora do Sistema Único de Assistência Social (Suas), ela destaca exemplos de pessoas que conseguem ao menos a alimentação básica.

“Enquanto não se garantir uma realidade que traga pleno emprego e diminua os índices de desigualdades sociais, os programas de transferência de renda continuam essenciais para garantir dignidade às famílias em vulnerabilidade econômica”, considerou.

3 dimensões do Bolsa Família

Considerado o maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família possui três dimensões. São elas:

  • transferência direta de renda – promove o alívio imediato da pobreza;
  • condicionalidades – reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social;
  • ações complementares – objetivam o desenvolvimento de capacidades das famílias e a superação da situação de vulnerabilidade.

Quais as condicionalidades?

Na área de educação, os pais precisam matricular e garantir a frequência mínima de 85% nas aulas para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos. 

Quanto à saúde, há a necessidade de se fazer um acompanhamento do pré-natal da mãe, cumprir o cronograma de vacinação das crianças menores de sete anos, acompanhar o crescimento e desenvolvimento (peso e altura) das crianças menores de 7 anos, conforme o calendário estipulado pelo Ministério da Saúde.

No aspecto social, compete ao Estado acompanhar as famílias que descumprem as condicionalidades para que sejam identificados os motivos que interferem no acesso regular das crianças e adolescentes à escola e das crianças e gestantes aos cuidados básicos de saúde.

Lula cobrou fiscalização

No lançamento do novo Bolsa Família, Lula cobrou fiscalização de todos os setores da sociedade para que o dinheiro chegue a quem, de fato, precisa. Segundo ele, “quem não merece” não vai receber.

“Que a imprensa brasileira pudesse fiscalizar com muita seriedade porque, se tiver alguém que não mereça, esse alguém não vai receber. O programa é só para pessoas em condições de pobreza”, disse o presidente na cerimônia de lançamento do Bolsa Família reformulado.

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