Caso Marielle: investigação segue em busca de provas mesmo após delação de Lessa

Especialistas apontam que a colaboração deve servir de apoio para auxiliar na busca de outras provas para a condenação

Vânia Vero*

O relatório final da Polícia Federal foi só mais um passo para auxiliar na busca por um desfecho do caso Marielle, ainda longe de ser encerrado. A delação de Ronnie Lessa, executor do crime junto com Élcio de Queiroz, foi importante para a prisão de Chiquinho Brazão e Domingos Brazão, apontados como mandantes do assassinato,  e Rivaldo Barbosa, tido como mentor do crime.

Ainda assim, o trabalho investigativo deve continuar até encontrar provas concretas para manter essas prisões e garantir a condenação dos envolvidos.

Especialistas apontam o cuidado com a delação premiada como único elemento para condenar os autores intelectuais do duplo homicídio de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

"A colaboração deve ser somada com outras provas". É o que diz o advogado especialista em direito eleitoral e administrativo, Alberto Rollo.

“A delação é apenas o ponto inicial da denúncia. Com isso, a polícia deve ir atrás de outras provas para auxiliar na comprovação suficiente de autoria do crime", destaca.

O documento da PF relata uma grande dificuldade em obter provas cabais contra Chiquinho Brazão, Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, após seis anos do fato.

Os depoimentos de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz em delações premiadas foram fundamentais para o andamento das investigações e trouxeram indícios da participação dos envolvidos como autores intelectuais do crime contra as vidas da vereadora Marielle e do seu motorista.

“Assim, diante de todo esse contexto, é evidente que estamos diante de um típico caso de "Cold Case", calcado na sabotagem dos trabalhos investigativos pelo aparato responsável pela apuração dos homicídios no Rio de Janeiro, de modo que resta à persecução penal hodiernamente a busca por meios de prova que não sejam triviais para a tentativa de identificação de demais autores e partícipes como, por exemplo, as colaborações premiadas entabuladas e a tentativa de sua corroboração por elementos de convicção, ainda que indiciários”, destaca a PF no relatório.

Tendo em vista este relatório, a principal preocupação dos especialistas é com a possibilidade de uma anulação de decisão em segunda instância, caso não haja outros elementos que confirmem os depoimentos relatados, além da colaboração. Por isso, a importância da continuidade das investigações pela Polícia Federal.

Sobre o instituto da delação premiada, o advogado criminalista Lucas de Moraes ressalta que a delação premiada é um meio de obtenção de prova e não meio de prova em si. Por isso tem que ser corroborada com outras provas, ainda que seja mais de uma colaboração.

“A lei que incorporou a delação foi a 12.850/2013 e, no seu conteúdo, já era previsto que as declarações do colaborador não poderão, unicamente, servir para condenar alguém. A partir disso, o STF, desde 2017, em uma interpretação extensiva, passou a decidir que também não poderia, unicamente com base nas declarações advindas de uma delação premiada (ou de várias delações), receber denúncia, porque necessitam ser corroboradas por outras provas - documental, testemunhal. Agora, com o Pacote Anticrime, de 2019, passou a ser positivado", explica o criminalista.

O caso aguarda posicionamento do Ministério Público Federal, responsável pela análise do relatório e pela denúncia contra os suspeitos. A promotoria pode determinar a continuidade das investigações apesar do relatório final do inquérito policial.

A advogada criminalista e professora da FGV Direito Rio, Maíra Fernandes, avalia que seria a conduta mais provável do órgão público, considerando que a denúncia pode ser feita ainda que o inquérito não seja encerrado.

“O Ministério Público pode apresentar denúncia mesmo o caso não estando 100% encerrado se ele entender que já há elementos suficientes para a denúncia, que são indícios mínimos de materialidade do crime. Então, o processo pode seguir mesmo com a investigação em andamento”, comenta a professora.

Maíra ainda explica que o MPF, como autor da ação penal, tem competência para pedir o retorno dos autos para apuração de mais elementos de convicção.

Indagada sobre as investigações, a Polícia Federal informou, em nota, que não comenta ou divulga informações sobre casos em andamento.

*Sob supervisão de Christiano Pinho.