É falso que o diretor-geral da OMS tenha se posicionado contra o carnaval de 2022

É falsa uma postagem compartilhada por mais de um usuário no Facebook afirmando que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS)

É falso que o diretor-geral da OMS tenha se posicionado contra o carnaval de 2022 Foto: Comprova
É falso que o diretor-geral da OMS tenha se posicionado contra o carnaval de 2022
Foto: Comprova
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook traz a foto de Tedros Adhanom com a afirmação “Presidente da OMS não recomenda carnaval em 2022. E agora? Como ficam políticos, juízes, mídia e empresários mortadelas, que afirmaram ser crime de genocídio não seguir o determinado pela OMS?”. Há, ainda, o link para um vídeo no YouTube.
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São falsas as postagens compartilhadas no Facebook afirmando que Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), teria feito recomendação contrária ao carnaval em 2022 no Brasil em decorrência da pandemia. O Comprova e a própria organização não localizaram qualquer registro de fala dele neste sentido.

A última orientação da entidade, emitida em 4 de novembro de 2021 para governos, autoridades de saúde e organizadores de eventos, é de que a decisão de restringir, modificar, adiar, cancelar ou prosseguir com a realização de um evento deve sempre se basear na avaliação rigorosa de riscos e na situação epidemiológica de cada cidade, estado ou país.

A postagem anexa também inclui o link de um vídeo no YouTube, intitulado “Carnaval 2022. OMS não recomenda”. O autor, contudo, afirma ao longo da gravação que o diretor-geral “foi claro, ele não recomenda grandes multidões, ele alerta para o risco que isso pode significar”, mas não trata especificamente da tradicional festa brasileira. Além disso, o autor do vídeo não fornece a fonte da suposta fala de Adhanom.

Em outro trecho do vídeo, afirma que o diretor-geral chorou em julho de 2021, em decorrência da pandemia, mas este fato ocorreu um ano antes, em julho de 2020.

Sobre o carnaval de 2022 no Brasil, reportagem do Comprova fez recentemente um levantamento sobre os preparativos nas principais cidades que organizam grandes eventos de carnaval. Não há consenso entre as autoridades e a realização das festas depende do aval dos governos estaduais e municipais.

O infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, ouvido pela reportagem, afirma que o país está em um momento favorável no que diz respeito à redução progressiva no número de casos, da circulação viral, do número de óbitos e da ocupação dos leitos, além de avanços na cobertura vacinal. Se o cenário continuar evoluindo desta maneira, avalia, os indicadores serão favoráveis à realização do evento.

Para o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, o momento epidemiológico será determinante para a decisão final sobre a realização do carnaval nas cidades brasileiras. Segundo o infectologista, esse cenário vai depender, essencialmente, do surgimento de novas variantes e do tempo de proteção conferido pelas vacinas.

Por fim, foram procurados dois autores das postagens no Facebook e o responsável pelo vídeo publicado no YouTube, mas nenhum respondeu as mensagens.

Para o Comprova, é considerado falso o conteúdo inventado.

Como verificamos?

O primeiro passo foi assistir ao vídeo linkado na postagem compartilhada e entrar em contato com o autor dele.

Em seguida, o Comprova procurou a própria Organização Mundial da Saúde e utilizou o Google para reportagens e entrevistas nas quais Tedros Adhanom pudesse ter falado sobre o carnaval de 2022.

Também foram procurados os infectologistas Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, e Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Por fim, o Comprova procurou os autores das publicações no Facebook.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de novembro de 2021.

Verificação

OMS nega posicionamento de Tedros Adhanom sobre o carnaval

A OMS afirmou não ter conhecimento de nenhuma declaração do diretor-geral Tedros Adhanom contra o carnaval de 2022, conforme informado em nota encaminhada ao Comprova.

Conforme a entidade, houve uma menção à comemoração durante uma conferência da OMS com a imprensa em 30 de abril de 2021, mas não por Tedros Adhanom, e sim por Sylvain Aldighieri, gerente de Incidentes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS nas Américas. Na ocasião, contudo, ele se referia ao feriado de carnaval de 2021, e não de 2022, como sugerem os posts aqui verificados.

Naquele momento, quando a maioria dos países da América do Sul relatava tendências crescentes, Aldighieri declarou que a ação mais importante para ajudar os serviços de saúde a dobrar a curva era a implementação estrita de medidas públicas de saúde e sociais.

Acrescentou que, de três a quatro meses anteriores, muitos países tiveram implementação abaixo do ideal das medidas de saúde pública em decorrência de uma sequência de feriados que desencadearam grande movimentação populacional, como Natal, Réveillon, carnaval e Páscoa.

O vídeo que baseou as publicações

O vídeo usado nas publicações do Facebook tem pouco mais de 23 minutos e foi publicado no dia 15 de novembro no canal Sofá di Pobre, que possui 7,22 mil inscritos.

Nele, o autor afirma que o diretor-geral da OMS não esconde sua preocupação e deixa claro: “o vírus recuou, mas ainda não foi derrotado, preparando um contra-ataque que já pode ser sentido em algumas partes do mundo, prudência determina que não é o momento de se organizar eventos com aglomeração de multidões, leviandade ignorando os efeitos colaterais pode trazer consequências com sequelas irreparáveis”.

A partir de quinze minutos e três segundos, o autor diz que Tedros Adhanom “foi claro, ele não recomenda grandes multidões, ele alerta para o risco que isso pode significar”, mas não declara que o diretor-geral tenha se referido especificamente ao carnaval. Mais adiante, diz que, segundo a OMS, o risco é gigantesco de haver uma contaminação violenta no Brasil. Em nenhuma das falas o autor apresenta as fontes de tais afirmações.

Ainda no vídeo, o responsável pelo canal diz que “o presidente da OMS, em julho de 2021, chorou em público e a razão das lágrimas era ele não entender por que é tão difícil o ser humano se unir, reação desesperada diante de uma pandemia assassina e das carinhas de paisagens espalhadas pelo mundo”.

Tedros Adhanom, de fato, chorou em público, mas isso ocorreu um ano antes do mencionado pelo autor do vídeo, em julho de 2020, como comprovam notícias em diversos veículos.

Ao longo do vídeo, o responsável pelo canal defende Jair Bolsonaro (sem partido) e o governo federal, critica o lockdown, governadores, prefeitos, vacinas, o Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da Pandemia, a mídia e defende “remédios alternativos” contra a covid-19. Também diz que o inverno europeu está “mandando recado assustador” ao brasileiro, e está sendo ignorado, referindo-se aos preparativos para o carnaval. O autor foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Orientação atual da OMS sobre eventos de massa

A OMS compartilhou com o Comprova as orientações relacionadas aos eventos de grande porte durante a pandemia, datadas de abril de 2020. O documento define como reunião de massa um evento que reúna número de pessoas tão grande que tenha o potencial de sobrecarregar os recursos de planejamento e resposta do sistema de saúde na comunidade onde ocorre.

“Você precisa considerar o local e a duração do evento, bem como o número de participantes. Por exemplo, se o evento ocorrer durante vários dias em um pequeno estado-ilha onde a capacidade do sistema de saúde é bastante limitada, então mesmo um evento com apenas alguns milhares de participantes pode colocar uma grande pressão no sistema de saúde e ser considerado uma ‘reunião em massa’. Por outro lado, se o evento for realizado em uma grande cidade, em um país com um grande sistema de saúde, com recursos suficientes, e durar apenas algumas horas, o evento pode não constituir um evento de ‘reunião de massa’”, diz a organização.

A entidade também disponibilizou um documento, atualizado em 4 de novembro de 2021, que fornece orientações para governos, autoridades de saúde e organizadores de eventos sobre a tomada de decisões relacionadas à realização de encontros em massa durante a pandemia, informando que os mais importantes fatores de risco aumentado de transmissão são o tempo de permanência dos participantes no evento, a realização em locais fechados e o não cumprimento das medidas de precaução, como uso de máscaras e de higienização das mãos, além do distanciamento.

Conforme a OMS, a decisão de restringir, modificar, adiar, cancelar ou prosseguir com a realização de um evento deve ser sempre baseada em uma avaliação rigorosa dos riscos associados ao evento. O próprio órgão desenvolveu ferramentas de avaliação de risco para facilitar e orientar o processo de tomada de decisão relacionado à realização de eventos genéricos, religiosos e esportivos, atribuindo uma pontuação numérica para cada fator de risco e medida preventiva, permitindo o cálculo de um risco geral.

Os eventos associados a um risco baixo ou muito baixo de transmissão e tensão no sistema de saúde podem ser considerados suficientemente seguros. Já aqueles com nível de risco moderado, alto ou muito alto podem não ser suficientemente seguros e exigem a aplicação completa de medidas de precaução. Por fim, se o risco de transmitir SARS-CoV-2 permanecer significativo após a aplicação de todas as medidas de precaução relevantes, adiar, cancelar ou fazer o evento de forma online deve ser considerado.

“A abordagem baseada em risco é flexível e adaptável a encontros de diferentes tipos e tamanhos, ocorrendo no contexto de quaisquer cenários de transmissão Sars-CoV-2”, diz a OMS, acrescentando que mesmo considerado de baixo risco, a recomendação é sempre considerar a implementação de medidas de precaução para diminuir ainda mais o risco residual, uma vez que o risco zero não existe.

Ainda no texto, a OMS afirma que as reuniões de massa não são meramente eventos recreativos, tendo implicações importantes no bem-estar espiritual e na promoção de comportamentos saudáveis. O órgão recomenda que, dada a substancialidade social, cultural, política e econômica implicadas, as autoridades avaliem a importância e necessidade de um evento de reunião em massa e considerem se deve este ocorrer, desde que todos os riscos de saúde pública associados sejam adequadamente avaliados, tratados e mitigados.

Por fim, a entidade mantém uma página de perguntas e respostas sobre a realização de reuniões durante a pandemia.

O que dizem os especialistas?

A realização do carnaval no Brasil não é consenso entre as autoridades e depende do aval dos governos estaduais e municipais. Na comunidade médica, a avaliação é a de que a organização do evento dependerá da cobertura vacinal e dos dados epidemiológicos coletados próximos ao período do feriado.

O infectologista Álvaro Furtado, disse, em entrevista ao Comprova, que o momento atual da pandemia no Brasil é favorável para a realização de grandes eventos. “A gente vê os dados das últimas semanas epidemiológicas e observa redução progressiva no número de casos, diminuição da circulação viral, diminuição do número de óbitos e também na ocupação dos leitos de UTI. A gente também está avançando no nosso programa de imunização, com 60% da população vacinada (com a segunda dose)”.

Na avaliação dele, o cenário que se configura abre a possibilidade de realização de uma festa como o carnaval. O médico deixa claro, contudo, que isso pode mudar em caso de revés nos indicadores ou de retrocessos na vacinação.

“A questão é que, pelos dados dos últimos meses, pelos indicadores progressivamente melhores e com a cobertura vacinal avançando do jeito que está, com possibilidade de terceira dose que a gente já aprovou, isso deixa um cenário mais favorável para que aconteça um evento com grande quantidade de pessoas.”

Ao Comprova, o também infectologista Renato Kfouri, pondera, ainda, que a decisão final vai depender do surgimento ou não de novas variantes do coronavírus. “Não precisamos de um carnaval para aumentar a circulação [do vírus]. Vemos, hoje, os estádios de futebol, onde já há torcidas e muitas pessoas não usam máscaras… nem por isso o Brasil está vivendo uma nova onda.”

Kfouri acrescenta que, apesar da alta taxa de cobertura vacinal, ainda não é possível cravar a efetividade dos imunizantes a longo prazo, e isso pode, sim, alterar os planos para a realização de grandes eventos. “Não adianta dizer que, até lá, teremos 80% ou 90% da população vacinada, porque a duração da proteção da vacina se perde. É correta a preparação para o carnaval, mas o determinante é o momento epidemiológico, e isso é imprevisível.”

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre as políticas públicas do governo federal, as eleições de 2022 e a pandemia, como o caso aqui verificado, que não apenas desinforma sobre a covid-19, como também faz ataques a políticos, juízes, mídia e empresários.

Apenas uma das postagens, no grupo Bolsonaro 2022 BR, somou 8,9 mil interações, e, conforme a ferramenta Crowdtangle, foi compartilhada em diversos grupos de apoio ao presidente.

Comentários mostram que usuários entenderam que Tedros Adhanom se referiu especificamente ao carnaval no Brasil, como este: “Algum esquerdopata vai ser contra a Ciência da OMS?”, referindo-se de forma pejorativa a opositores do governo federal.

Outros comentários comprovam que o conteúdo fomenta o ataque a grupos que discordam de Bolsonaro, como o que sugere que “o presidente veta o Carnaval em todo território brasileiro, se exime de toda e qualquer culpa, o STF vai contra a ordem do presidente e dá total autonomia para prefeitos e governadores decidir se vai ter carnaval ou não. Depois quero ver culparem o presidente Jair Bolsonaro.”

Em seguida, a mesma usuária afirma que foi exatamente o que ocorreu em 2021, e outro membro responde que “teve a CPI do Circo e ngm [ninguém] conseguiu provar nada contra o nosso presidente Jair Bolsonaro”. A CPI à qual se refere o usuário foi finalizada com o pedido de indiciamento de 78 pessoas, incluindo o presidente, além de duas empresas, por supostos crimes cometidos durante a pandemia.

Apesar de a usuária afirmar que Bolsonaro pode vetar o carnaval, neste mês, o Projeto Comprova já explicou que o veto à festa não está sujeito apenas à vontade do presidente da República.

Este conteúdo também foi verificado pela agência Aos Fatos, que o considerou falso. Peças desinformativas sobre o carnaval têm aparecido com frequência conforme se aproxima o feriado.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.