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Segunda Guerra, deserção e acidente: a história que batiza as Curvas Degner em Suzuka

Emanuel Colombari

As Curvas Degner, em Suzuka (Imagem: Pirelli)
As Curvas Degner, em Suzuka (Imagem: Pirelli)

O circuito de Suzuka tem algumas das curvas mais legais do calendário da Fórmula 1, como o Hairpin, a Spoon e a 130R. Mas duas delas passam despercebida, mesmo carregando uma grande história e sendo destaques nas transmissões.

Trata-se das Curvas Degner, ambas à direita e antecedendo o “túnel” – na verdade, a parte inferior da ponte que torna único o layout da pista que tradicionalmente recebe o Grande Prêmio do Japão de Fórmula 1. O trecho foi batizado em homenagem ao motociclista alemão Ernst Degner.

Mas antes de falar da pista e de Ernst Degner, é preciso falar da Segunda Guerra Mundial.

A cidade de Peenemünde era sede de um centro de pesquisas de armas secretas durante o regime nazista na Alemanha. Neste laboratório, entre outros estudos, a equipe de Herbert Alois Wagner trabalhava no desenvolvimento de uma bomba guiada por rádio, a Henschel Hs 293. As instalações foram bombardeadas por britânicos em 1943, sendo ocupada por soviéticos em 1945.

Um dos integrantes da equipe de Wagner, Walter Kaaden, foi capturado em 1945, mas liberado logo depois. Apaixonado por engenharia, mudou-se para Zschopau, quase na fronteira com a então Tchecoslováquia, e foi trabalhar na MZ Motorrad und Zweiradwerk GmbH, uma divisão motociclística do IFA, o conglomerado responsável pela construção de veículos na Alemanha Oriental.

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O trabalho de Kaaden logo ganhou destaque na MZ, onde ele ajudou a desenvolver as bases dos atuais motores de dois tempos. Seus estudos de aerodinâmica tornaram as motos da MZ populares e eficientes em competições motociclísticas.

Um dos pilotos da MZ era um jovem nascido na Polônia e criado na Alemanha Oriental. Ernst Degner estudou engenharia em Potsdam, onde entrou para um clube de motociclistas e começou a competir em 1952. Com o sucesso alcançado, foi contratado em 1956 como piloto de fábrica da MZ.

A parceria rendeu frutos: em 1957, Degner foi campeão nacional da categoria 125cc na Alemanha Oriental, com 11 vitórias em 14 corridas. A partir de 1958, começou a competir internacionalmente com a marca em diversas cilindradas. Em 1959, veio a primeira vitória, na prova das 125 cc do Grande Prêmio das Nações, na Itália. Em 1961, foi vice-campeão mundial da divisão.

Ao mesmo tempo, as competições internacionais também aproximaram Degner e a família de rivais de outros países. Veio então a decisão de desertar e fugir para outro país, mas a construção do Muro de Berlim em 1961 atrapalhou os planos. A solução: colocar a família no porta-malas de um carro para a disputa de uma corrida na Suécia. De lá, o grupo foi para a Dinamarca antes de embarcar em um trem para a Alemanha Ocidental.

A deserção foi descoberta e azedou a relação de Ernst Degner com a MZ.

No Japão, sucesso e um grave acidente

A Suzuki havia entrado em competições internacionais em 1960, mas com resultados abaixo dos esperados pela empresa. Para melhorar, era preciso buscar um piloto não apenas talentoso e experiente, mas que entendesse de questões técnicas.

No ano seguinte, um encontro casual entre Ernst Degner e o presidente da companhia japonesa, Shunzo Suzuki, acabou se mostrando decisiva para os dois lados. Degner disse que estava cansado da vigilância constante e da vida monótona na Alemanha Oriental, bem como dos baixos salários junto à MZ. E Suzuki estava diante do piloto que procurava.

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Ernst Degner passou a correr com a Suzuki, em um acordo decisivo. O piloto mudou-se com a família para Hamamatsu (Japão) em 1962, onde ficava a sede da empresa, e foi campeão mundial na categoria 50 cc naquela primeira temporada.

Ainda em 1962, em setembro. Foi inaugurado o Circuito de Suzuka. Quatro meses depois, o local recebeu uma corrida inaugural de motos, com Ernst Degner correndo pela Suzuka.

No entanto, uma rajada de vento levantou a moto do alemão, que bateu forte na curva 8. O tanque de combustível da moto explodiu e o piloto sofreu graves queimaduras, que exigiram dezenas de enxertos de pele. Em referência ao protagonista do primeiro acidente do traçado, mas também como um sinal de deferência do piloto junto ao público japonês, a combinação das curvas 8 e 9 ganhou o nome de Curvas Degner.

Degner voltou a correr em 1963. Dividiu-se entre vitórias e acidentes, até se aposentar em 1966, ainda pela Suzuki. Na última corrida oficial da carreira, foi o quarto colocado da prova das 50 cc na Ilha de Mann.

As dores crônicas resultantes dos acidentes fizeram Ernst Degner se viciar em morfina, um fármaco de alto poder analgésico. Em 1983, quando já morava em Tenerife (Espanha), morreu em decorrência de um ataque cardíaco. Tinha 51 anos.

Emanuel Colombari

Emanuel Colombari é jornalista com experiência em redações desde 2006, com passagens por Gazeta Esportiva, Agora São Paulo, Terra e UOL. Já cobriu kart, Fórmula 3, GT3, Dakar, Sertões, Indy, Stock Car e Fórmula 1. Aqui, compartilha um olhar diferente sobre o que rola na F-1.