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Tortura e morte ameaçam norte-coreanos deportados da China

Após arriscar a vida para escapar do regime Kim, desertores vêm sendo repatriados aos milhares, relatam ativistas. Para Pequim, uma jogada geopolítica; para Pyongyang, dissuasão dos descontentes e até fonte de lucro.

Por Deutsche Welle

A China vem repatriando de forma compulsória e sistemática cidadãos norte-coreanos que buscaram refúgio em seu território. Na operação mais recente, em 26 de abril foram reenviados à Coreia do Norte cerca de 200 indivíduos detidos em batidas policiais e mantidos na província chinesa de Jilin.

A alegação é da organização de direitos humanos Frente de Liberação do Povo Norte-Coreano, sediada em Seul, com base em informações de outros refugiados ainda na China, sendo corroborada por relatos semelhantes de outros grupos, assim como por fontes do governo sul-coreano.

Ao desembarcar na Coreia do Norte, os desertores são acusados de traição, ficando sujeitos a detenção em campos de prisioneiros, tortura e até execução. ONGs de direitos humanos estão apelando para a comunidade internacional aumentar a pressão sobre o governo da China a fim de sustar as repatriações forçadas.

"Sabemos que 2 mil refugiados norte-coreanos foram repatriados à força entre agosto e setembro de 2023. Ao serem reenviados para o Norte, eles encaram medo verossímil de perseguição", comenta Greg Scarlatoiu, diretor executivo do Comitê para os Direitos Humanos na Coreia do Norte, sediado em Washington.

No entanto Pequim insiste em rotular os desertores como "imigrantes econômicos ilegais", ao invés de indivíduos escapando de um regime repressivo e até mesmo de morrerem de fome.

Scarlatoiu frisa que, através dessa política de deportação, a China "ajuda e incentiva o regime da família Kim, que está cometendo crimes contra a humanidade". Assim, a comunidade internacional, o relator especial das Nações Unidas para o assunto, e o Conselho de Direitos Humanos da ONU "devem continuar a enfatizar essa questão".

Desertores repatriados são fonte de dinheiro para Kim

Declarado "Ano da Amizade Coreia do Norte-China" em ambos os países, 2024 marca 75 anos de relações diplomáticas entre Pequim e Pyongyang. Alguns observadores vêm uma chance de a China aprofundar a aliança, com essa decisão de repatriar à força os desertores. Para o ditador Kim Jong-un, eles servem de exemplo dissuasivo a quem pense em tentar escapar.

A norte-coreana Lee Ae-ran, que escapou com a família em 1997, sustenta essa teoria: "Acho que uma das razões por que a China está enviando de volta os desertores é seu desejo de estreitar relações com o regime norte-coreano, especialmente num momento em que o presidente Xi Jinping promove com tanta força o socialismo e as alianças com nações ideologicamente afins."

Ela conseguiu atravessar a fronteira entre os dois países, alcançando segurança num país do Sudeste Asiático em apenas 15 dias, seguindo depois para a Coreia do Sul. Hoje, o regime Kim dificultou muito a saída do país, com mais campos minados e cercas de arame farpado, e os guardas têm ordem de atirar para matar se há suspeita de tentativa de fuga.

Por outro lado, os fugitivos também são uma fonte de lucro para o regime: "Os desertores são punidos de modo diferente em períodos diferentes", conta Lee "Alguns são enviados para campos de prisioneiros, mas recentemente ficamos sabendo que outros são forçados a fazer 'doações de lealdade', e quem doa bastante não é punido. É uma forma de extorsão."

Em 2020, Pyongyang fechou ostensivamente a fronteira com a China para se proteger do vírus da covid-19. Segundo mídias dissidentes que usam redes de contatos clandestinas, em áreas da China próximas à fronteira e mesmo dentro da Coreia do Norte, a retomada das repatriações desde a reabertura da fronteira alarma os desertores sem documentos que tentam escapar das autoridades.

Estes "estão mais assustados e inseguros por medo de ser deportados, já que o risco aumenta, quanto mais próximas a Coreia do Norte e China estão", noticiou o jornal online dissidente Daily NK, citando uma fonte na China.

O medo é que, uma vez que todos os detidos durante o fechamento da fronteira tenham sido repatriados, as autoridades chinesas vão intensificar as medidas para localizar norte-coreanos que se casaram com cidadãos locais, na tentativa de legitimar sua presença na China – embora tal tática ofereça pouca proteção legal.

China busca aliados, Coreia do Norte quer ajuda a qualquer custo

No passado, Pequim basicamente tolerava os norte-coreanos que não causassem problemas. Agora, porém, os refugiados vêm se alertando mutuamente de que as autoridades chinesas adotarão linha dura contra quem pareça estar tentando se dirigir ao Sudeste Asiático, como estação intermediária para a Coreia do Sul.

Para o acadêmico sul-coreano Song Young-Chae, ativista da Coalizão Mundial pelo Fim do Genocídio na Coreia do Norte, a atual aproximação entre Pequim e Pyongyang é decorrente de considerações geopolíticas mais amplas na região Ásia-Pacífico.

"A China e os Estados Unidos estão cada vez mais em curso de confrontação, então Pequim procura mais aliados e estreitar laços com os já existentes. Essa rivalidade é também boa para a Coreia do Norte, que está aceitando apoio e ajuda de qualquer parte. Então cada lado usa o outro em benefício próprio."

Por outro lado, "há instabilidade no regime norte-coreano, e ele não quer que seu povo fique sabendo dos desertores, pois isso pode encorajar outros a também tentarem escapar": "Por isso as punições são tão rigorosas."

"É muito triste e é difícil pensar nisso, mas tivemos muitos relatos sobre desertores repatriados sendo torturados, forçados a trabalhar sob condições extremamente duras, enviados para campos de concentração, sobre abortos forçados e até risco de execução." Por isso, reforça o ativista Song, é preciso a comunidade internacional se empenhar mais para que Pequim pare com as deportações.

Autor: Julian Ryall

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