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Vetado no Brasil, autoteste é aliado para rastrear Covid-19 em outros países

Exame feito pela própria pessoa se popularizou na Europa e nos EUA, com preço mais em conta que teste de farmácia

Letícia Bilard e Luccas Balacci, do Metro Jornal

Governo distribui autotestes sem custos para a população em países europeus
Governo distribui autotestes sem custos para a população em países europeus
Freepik

“O convidado de todas as festas de fim de ano em 2021”, ou “o item mais acumulado do ano”. Na internet, portugueses brincam com a forma com que autotestes para o diagnóstico da Covid-19 ficaram comuns em seus cotidianos. Não é a toa: o exame de antígeno, similar aos testes rápidos encontrados nas farmácias brasileiras, mas vetado por aqui, tem sido um aliado em países da Europa e nos Estados Unidos para a identificação de casos da doença – que enfrenta sua maior onda de diagnósticos com a variante ômicron.

Em Portugal, um exame domiciliar para o novo coronavírus é comercializado entre 2 e 15 euros (cerca de R$ 14 a R$ 90), sendo vendido em farmácias e mercados – no Brasil, os testes de antígeno custam entre R$ 80 e R$ 110.

A professora Kimberly Genschmer, 52 anos, conta que o governo português provém até quatro exames gratuitos do tipo por mês. “Ter o autoteste disponível é muito bom, já que você consegue facilmente ter a resposta se está com covid-19 ou não. É muito mais seguro encontrar as pessoas", atestou.

Quando o exame aplicado pela própria pessoa dá positivo, a diretriz do governo é de avisar a autoridade local e cumprir isolamento. Portugal também permite que qualquer pessoa com suspeita de covid-19 ou que teve contato com um infectado seja testado no sistema de saúde.

Nos Estados Unidos, o CDC (Centro de Controle de Doenças Infecciosas) recomendou o uso dos autotestes antes das festas do fim do ano. “Considere antes de participar de reuniões internas com outras pessoas que não estão em sua casa. Um resultado positivo significa que você tem uma infecção e deve evitar reuniões. Um diagnóstico negativo significa que você pode não ter uma infecção. Repita o teste com pelo menos 24 horas e aumente a confiança de que não está infectado".

Morando na Espanha, o analista em tecnologia Luis Iglesias, de 24 anos, diz que o autoteste é um item essencial na mochila. “Eu não sabia que não existia no Brasil, já que aqui ele é extremamente popular. Todas as pessoas fazem antes de se encontrar para garantir a segurança.” Antes do Natal, a Prefeitura de Madrid também distribuiu autotestes sem custo para sua população.

Já no Reino Unido, o NHS (sistema de saúde equivalente ao SUS) disponibiliza autotestes para a covid-19 em farmácias do país. Ao entrar em contato, eles ficam disponíveis para retirada ou são enviados à casa do solicitante. A alta demanda, estimulada pela cepa ômicron, tem levado o governo a iniciar uma discussão sobre a cobrança pelos autotestes.

Vídeo: 43% dos teste dão positivo na capital do RJ

Lei veta autoteste no Brasil

Após um ano em Londres, o analista de relações governamentais Gustavo Giraldes, de 26 anos, fica chocado com a falta de autotestes no Brasil. 

“Aqui, se você é assintomático e não tem como pagar, não vai se testar e vai ficar sem saber se contraiu a covid-19", explicou.

Segundo o Ministério da Saúde, só podem ser testados com RT-PCR, considerado “padrão de referência”, aqueles sintomáticos ou que tiveram resultado positivo para covid-19 em um teste rápido de antígeno – que, dependendo do município, são disponibilizados sem custo apenas para casos suspeitos.

Já o uso de autotestes, segundo resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2015, é vetado para detecção de “organismos patogênicos ou agentes transmissíveis, incluindo agentes que causam doenças infecciosas passíveis de notificação compulsória – caso da covid-19.

O próprio texto, porém, também diz que a vedação “pode ser afastada tendo em vista políticas públicas e ações estratégicas formalmente instituídas pelo Ministério da Saúde e acordadas com a Anvisa”. A infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp (Universidade de Campinas), lembra que existe um precedente de exceção, com os já liberados autotestes de HIV. “É possível planejar e organizar um fluxo para que os exames caseiros positivos sejam computados, se essa é a preocupação. Não vejo malefícios nesse caso.”

Em São Luiz do Paraitinga, interior de São Paulo, a família da cantora Lia Marques, de 33 anos, conseguiu evitar a disseminação da doença com autotestes trazidos de Portugal por uma prima.

“Deu positivo na véspera de Natal e fui atrás de um RT- -PCR em uma cidade vizinha para confirmar. O laboratório fechou antes de eu chegar, mesmo com hora marcada e disposta a pagar R$ 210. Acabei pagando R$ 90 na única farmácia aberta", relembrou.

Já a pedagoga Heloisa Prado, de 26 anos, não tinha um autoteste como dois amigos em uma viagem de Ano Novo para Cumuruxatiba (BA). “Farmácias e postos da cidade também estavam sem. Precisei ir até Prado [cidade vizinha a 30 km] e me disseram que eram os últimos testes da unidade. Os turistas de São Paulo que foram para lá acabaram com tudo".

A escassez de testes rápidos no fim de 2021 e início de 2022 foi considerada inesperada pela Abrafarma (Associação Brasileira das Farmácias). 

“Antes o atendimento era imediato, agora é preciso agendar o teste para daqui dois ou três dias”, afirma o CEO da associação, Sérgio Mena Barreto. “Sobre o autoteste, temos farmacêuticas no Brasil prontas para fornecer o produto, com preços mais baixos que os testes de farmácia, mas eles não fornecem um laudo que atesta o resultado".

Para Evaldo Stanislau, infectologista e membro da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), os exames domiciliares são ainda mais relevantes se houver periodicidade nas testagens em casa. “Suponha que você se habitue a fazer um teste três vezes na semana, como segunda, quarta e sexta-feira. Ou se todos fizessem antes de sair de casa. Nós teríamos como evitar que pessoas circulem com o vírus, um benefício de um valor inestimável. Os autotestes mudariam muito o cenário da pandemia de covid-19 no Brasil".

Muita calma nessa hora? 

Em nota ao Metro Jornal, a Anvisa reforçou que a liberação do autoteste depende do Ministério da Saúde, responsável pela definição de políticas públicas, e apontou a necessidade de um estudo que considere “riscos que precisam ser mitigados”.

Entre eles: a simplicidade ou complexidade de execução do ensaio; a usabilidade do produto; suas medidas de segurança e seus cuidados de armazenamento, validade e uso; e a garantia de notificação compulsória em caso de teste positivo para apoio clínico adequado e possível rastreamento de contatos.

Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde não respondeu se há necessidade ou planejamento para inclusão dos autotestes no plano nacional de testagem para covid-19. “Para 2022, a pasta recomenda a realização de TR-AG (testes rápidos de antígeno) com base em indicadores populacionais e cenário epidemiológico”, disse em nota.

Como funciona

Os autotestes estão disponíveis em supermercados e farmácias de diversos países. Quando comercializados, eles custam de 2 euros (cerca de R$ 14) a até 15 euros (R$ 90). A caixa vem com instruções de uso; um cotonete; um mini-tubo de ensaio com uma substância reagente; um conta-gotas; um saco de amostra de risco biológico e o cassetete de teste. 

Entenda o passo a passo de um teste de covid-19 caseiro:

  • Com o cotonete, esfregue a parte interna da narina esquerda por 15 segundos, ou com cinco movimentos circulares. Repita com a narina direita
  • Abra o tubo de ensaio com o reagente e mergulhe o cotonete. Deixe agir por um minuto e, depois, descarte o cotonete no saco de amostra do risco biológico
  • Feche o tubo de ensaio com o conta-gotas e agite-o ao menos dez vezes
  • Pingue de três a quatro gotas da amostra no espaço determinado pelo cassetete e deixe agir de 15 a 20 minutos

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