"A dignidade humana é inviolável": é assim que começa o primeiro artigo da Lei Fundamental, a Constituição da Alemanha. Essa primeira frase foi escrita sob a influência da enorme culpa que a Alemanha carrega pelos crimes do nazismo: a Alemanha nazista é a responsável pela Segunda Guerra Mundial e pelo assassinato de 6 milhões de judeus em toda a Europa.
Quando a Lei Fundamental foi promulgada, em 23 de maio de 1949, ela se aplicava apenas à República Federal da Alemanha, fundada no mesmo dia. Esse Estado surgiu das três zonas de ocupação das potências ocidentais vencedoras da Segunda Guerra Mundial: EUA, Reino Unido e França. No leste, na zona de ocupação soviética, seria fundada, em 7 de outubro de 1949, a República Democrática Alemã (RDA), uma ditadura governada pelo Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED).
Diante da divisão da Alemanha, os constituintes – quatro mulheres e 61 homens – viam seu trabalho de redação constitucional como provisório – daí a opção por não usar o nome definitivo de Constituição, justamente para ressaltar a provisoriedade. Esta costuma ser lembrada a cada aniversário da Constituição alemã, e não é diferente neste 75º. "Não se pretendia que fosse uma constituição permanente, mas de transição, até que o povo alemão como um todo pudesse decidir livremente", declarou recentemente o historiador Martin Sabrow, num evento sobre a ditadura do SED.
O momento histórico para isso foi oferecido pela Reunificação, em 1990, depois de uma revolução pacífica derrubar o Muro de Berlim e o regime da RDA. Mas uma nova constituição não foi adotada. "Embora tenha sido iniciado um debate sobre uma constituição para toda a Alemanha, essa ideia não teve o apoio da maioria dos alemães", explica a cientista política Astrid Lorenz, da Universidade de Leipzig. "O principal motivo: a Lei Fundamental havia passado no teste do tempo, e uma nova constituição era desnecessária. As pessoas queriam estabilidade."
Emendas só com maioria de dois terços
Uma nova constituição nunca foi redigida, mas a Lei Fundamental também não é mais exatamente a mesma que foi promulgada em 1949: ela foi alterada quase 70 vezes desde então, em reação a profundas mudanças sociais e geopolíticas.
Alterações na Lei Fundamental necessitam ser aprovadas por dois terços dos membros do Bundestag (Parlamento) e do Bundesrat (câmara legislativa onde estão representados os estados). O objetivo é evitar que a Constituição seja simplesmente alterada para a implementação de políticas públicas dos partidos no poder e, acima de tudo, para proteger a democracia de seus inimigos. Para estes, tudo ficaria mais fácil se emendas constitucionais pudessem ser aprovadas com maioria simples. Isso poderia deteriorar rapidamente o Estado de Direito.
Uma das alterações mais controversas entre a população foi o chamado "rearmamento" da Alemanha, juntamente com a sua adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Nesse contexto, a Lei Fundamental foi alterada várias vezes para que fosse possível montar a Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) e criar a base constitucional para o chamado Estado de Defesa, que dá ao governo poderes extraordinários caso o país seja atacado.
Também as chamadas "leis de emergência", aprovadas em 1968, trouxeram consigo sérias mudanças. Com elas, o Estado ganhava capacidade de agir rapidamente em situações de crise, como desastres naturais, revoltas e guerras. É essa emenda constitucional que permite o uso das Forças Armadas para garantir a segurança e a restrição dos direitos fundamentais. Em situações de emergência, também a vigilância secreta das comunicações é autorizada.
Três anos após a Reunificação alemã, o direito de requerer refúgio ou asilo foi severamente restrito por meio de uma nova alteração da Lei Fundamental. Na origem dessa mudança estava o forte aumento de solicitações de asilo político, o que levou a tensões sociais e a um aumento do extremismo de direita. A reforma limitou a definição de asilo político, e passou a ser possível deportar pessoas sem passaporte alemão para países classificados como "países de origem seguros". Recentemente a Geórgia e a Moldávia foram adicionadas a essa lista.
A fim de frear o crescimento da dívida pública, um limite anual de endividamento foi introduzido em 2009 na Lei Fundamental. Ele limita drasticamente a capacidade do governo de obter novos empréstimos. Exceções são permitidas somente no caso de desastres naturais, como nas enchentes no Vale do Ahr, ou de uma crise imprevisível, como a pandemia de covid-19.
Em 2023, o governo alemão suspendeu o limite de endividamento após a eclosão da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, com o objetivo de criar um fundo especial para financiar a ajuda alemã ao país atacado e, acima de tudo, a aquisição de armamentos.
Em 2024, diante dos problemas econômicos da Alemanha e da falta de investimentos estatais, muitos estão pedindo um relaxamento geral do freio da dívida.
Boa reputação
Juristas e políticos consideram que a Lei Fundamental, alterada várias vezes ao longo dos 75 anos de sua existência, foi aprovada na prática. A Constituição alemã também tem uma boa reputação internacional e serviu de modelo para muitos países que saíram de ditaduras.
E também entre a população alemã a Lei Fundamental é muito popular. Numa recente pesquisa de opinião pública da Universidade de Dresden, 81% dos entrevistados concordaram que a Lei Fundamental passou no teste do tempo, e apenas 6% discordaram.
Autor: Marcel Fürstenau