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O 7 de Setembro pode virar novo 8 de Janeiro? Saiba os receios do governo Lula

Membros do governo têm deixado clara a intenção de despolitizar o desfile em 2023 após os últimos anos ficarem marcados como atos em apoio a Bolsonaro

Marco Rosa

Multidão compareceu ao último desfile de 7 de Setembro
Multidão compareceu ao último desfile de 7 de Setembro
Isac Nóbrega/PR

As comemorações dos 201 anos da Independência do Brasil na capital federal têm gerado um clima de apreensão não apenas nos bastidores do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como também das forças de segurança do Distrito Federal e em parte da população. Após os atos ocorridos em 8 de Janeiro deste ano, nos ataques às sedes dos Três Poderes, esse 7 de Setembro será a primeira manifestação popular do novo governo, que pretende reunir cerca de 30 mil pessoas no desfile de 2 horas que ocorrerá na Esplanada dos Ministérios.

Membros do governo têm deixado clara a intenção de despolitizar o desfile em 2023 após os últimos anos ficarem marcados como atos em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As comemorações da data no primeiro ano do terceiro mandato de Lula serão marcadas pelo tema 'Democracia, soberania e união', inclusive com imagens projetadas no Congresso e no Museu Nacional. Outros tópicos das festividades serão ciência e tecnologia, saúde, vacinação e defesa da Amazônia.

A comemoração, marcada para começar às 9h, também terá a passagem das tropas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, execução do Hino Nacional, desfiles de escolas, bombeiros e bandas, passeio de Lula em carro aberto, além do tradicional show da Esquadrilha da Fumaça, da Força Aérea Brasileira. Ministros, chefes de Poderes e o alto escalão das Forças Armadas estarão ao lado de Lula na tribuna de honra, que deve ter cerca de 200 convidados.

Dentro do tema paz e soberania, haverá o desfile de militares das Forças Armadas que participaram de missões de paz das Nações Unidas (ONU) e integrantes de associações que cultuam a memória da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Alunos dos Institutos Militar de Engenharia, Tecnológico da Aeronáutica e engenheiros militares da Marinha do Brasil estarão presentes representando o tópico ciência e tecnologia.

O tema saúde e vacinação será representado por integrantes do serviço de saúde das três Forças, além do personagem Zé Gotinha. E, por fim, a ala de defesa da Amazônia terá representantes militares do Exército Brasileiro, entre eles, soldados de origem indígena, oriundos da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

O que diz o governo sobre chance de novos ataques

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, descartou qualquer chance de repetição dos atos de 8 de Janeiro e destacou que o clima é de "tranquilidade e concórdia" em Brasília. No entanto, acredita que pode haver alguma manifestação golpista de forma isolada durante o dia. "Não há, até agora, nenhuma indicação objetiva de que o 7 de Setembro seja marcado por algum tipo de ataque. Infelizmente há, daqui, dacolá, cards na internet, e isso demanda um acompanhamento", disse o ministro na última segunda-feira (4), durante evento em Vitória (ES).

"Pode haver alguém que eventualmente resolva protestar, e a gente frisa que a liberdade de expressão protege a manifestação pacífica. Se houver uma pessoa que proteste pacificamente, é claro que ela está no exercício regular do direito. Mas nós não vamos permitir que haja repetição dos atos terríveis de 8 de Janeiro nessa ação com os estados", completou Dino.

Outro membro do governo que não vê motivos para preocupação é Paulo Pimenta, ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República). "Sinceramente, eu não acredito que exista na sociedade brasileira hoje, ambiente, respaldo, para qualquer tentativa de qualquer setor que queira aproveitar um momento importante como esse, o 7 de Setembro, para repetir condutas ou fatos semelhantes ao que assistimos no 8 de Janeiro. Todo evento que o presidente participa tem um protocolo de segurança. Não vai ter mais nem menos. Vai ser estritamente aquilo que é observado em qualquer evento público que o presidente participe", disse.

O esforço do governo para 'desbolsonarizar' o 7 de Setembro foi expresso nas palavras de Lula na última terça-feira (5). Além de fazer com que a data seja comemorada por todos, o presidente manifestou o desejo também de 'desmilitarizar' a cerimônia. "Todo país do mundo tem na festa da Independência uma grande festa. O que aconteceu no Brasil é que, como nós tivemos por 23 anos um regime autoritário, a verdade é que os militares se apoderaram do 7 de Setembro. Deixou de ser uma coisa da sociedade como um todo. O que nós estamos querendo fazer agora, com a participação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, é voltar a fazer um 7 de Setembro de todos", disse o presidente.

"O 7 de Setembro é do militar, do professor, do médico, do dentista, do advogado, do vendedor de cachorro-quente, do pequeno e médio empreendedor individual, é de todo mundo. É uma festa importante, que lembra que o Brasil conquistou a soberania diante do país colonizador. É o dia da gente comemorar a nossa autonomia diante da Coroa. Este foi o grande feito, nós somos os donos de nós mesmos", completou Lula.

Cerimônia terá segurança reforçada e maior que a posse de Lula

O temor de um novo 8 de Janeiro fez o governo reforçar a segurança em torno das comemorações da Independência do Brasil. Foi criado para isso um Gabinete de Mobilização Institucional, grupo que reúne as Secretarias de Segurança Pública e de Saúde, o DF Legal, o Serviço de Limpeza Urbana, além de convidados do governo federal. Sem dar detalhes do tamanho do efetivo, o secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, Alexandre Patury, afirmou que o número de militares atuando na Esplanada dos Ministérios será maior do que na posse do presidente Lula, em janeiro.

Ao todo, estarão de prontidão cerca de 2 mil militares da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) de unidades especializadas – como Cavalaria, BPCães e Bope – e 500 policiais civis do Distrito Federal (PCDF), como a Divisão de Operações Especiais (DOE) e a Divisão de Operações Aéreas (DOA). Também foi autorizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública que o governo do DF terá o apoio da Força Nacional. Já a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai atuar de forma preventiva na identificação de ameaças e de possíveis incidentes que coloquem em risco a segurança do público e das autoridades.  

A circulação de veículos na área da Esplanada dos Ministérios será bloqueada já na véspera das comemorações, na altura da Catedral de Brasília até a Praça dos Três Poderes. As vias nos arredores da Ponte Juscelino Kubitschek serão bloqueadas nas primeiras horas do feriado e o trânsito só será liberado após a dispersão do público.  

Outra medida de segurança será a restrição de pessoas na Praça dos Três Poderes. Já os acessos à Esplanada terão pontos da Polícia Militar para revistas pessoais, que também podem ocorrer em meio ao público caso as autoridades julguem necessárias. Ao todo, serão oito entradas para o evento. O uso de drones no espaço aéreo local sem prévia autorização da Secretaria de Segurança Pública estará proibido durante todo dia, enquanto os prédios públicos terão proteção reforçada com gradis.  

Haverá, ainda, reforço das unidades de atendimento emergencial do Samu durante o evento e presença intensificada do Corpo de Bombeiros, além de monitoramento por meio de imagens de câmeras móveis e drones. A Secom informou ao público que pretende acompanhar os desfiles que uma série de itens estão proibidos, entre eles, fogos de artifício e artefatos explosivos, armas em geral, objetos pontiagudos, apontador de laser, sprays e aerossóis, e ainda garrafas de vidro, hastes de bandeiras e outros materiais que coloquem em risco a segurança do público.

"Fique em casa": oposição promete esvaziar 7 de Setembro

Enquanto o governo anuncia detalhes de como será a cerimônia e reforça a segurança, as redes bolsonaristas passaram a propor um boicote da população ao desfile da Independência. Os perfis de apoiadores do ex-presidente pedem que as pessoas não compareçam às comemorações porque, segundo eles, "não há o que comemorar" e que há uma "grande decepção com o Exército".

"Politicamente nós não temos nada o que comemorar, essa é que é a verdade. Nós temos um Brasil que está se desmanchando com tanta coisa ruim que está acontecendo", afirmou a deputada federal Bia Kicis (PL) em discurso na Câmara. "Não temos o que comemorar no dia 7 de Setembro, eu não irei para as ruas. Se algum brasileiro quiser ir para as ruas e não for apoiador desse desgoverno, que vá de preto, pra que não usem a sua imagem e que digam que é apoiador", completou.

Outros parlamentares do campo ideológico de direita, como os deputados federais Gilberto Silva (PL) e Zé Trovão (PL) e o senador Jorge Seif Junior (PL) ironizaram um discurso usado durante a pandemia de Covid-19 - e contestado por bolsonaristas - para tentar conter as aglomerações de pessoas e reduzir a propagação do vírus. "No Dia 7 de Setembro, fique em casa". 

Como foram os últimos desfiles da Independência

Os desfiles cívicos de 7 de Setembro tiveram início após o processo de democratização do Brasil, a partir da Proclamação da República, em 1989, segundo o Arquivo Histórico do Exército. No entanto, as últimas comemorações da data foram marcados pelo teor político das manifestações a favor de Bolsonaro, principalmente nas duas edições anteriores, quando o ex-presidente elevou o tom contra os críticos e contra outros Poderes.

Em 2021, o alvo de Bolsonaro e seus apoiadores foi o Judiciário. O ex-presidente inflamou seus seguidores contra o Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente contra o ministro Alexandre de Moraes, chamando-o de "canalha" e dizendo para o magistrado "pedir para sair". Em partes de seu discurso, tanto na avenida Paulista (SP) como em Brasília, defendeu a desobediência de decisões da Justiça, enquanto seus eleitores exibiram faixas e discursos antidemocráticos, com pedidos de intervenção militar. "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.", disse na ocasião. Porém, nos dias seguintes, voltou atrás e pediu desculpas.

Já no ano passado, na última cerimônia de sua gestão, Bolsonaro turbinou os investimentos com a data e transformou o 7 de Setembro em palanque eleitoral, o que lhe rendeu uma investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por suspeita de abuso de poder econômico e político. Ainda durante a semana, o ex-presidente tratou a data como evento de campanha e convocou apenas seus eleitores. "No próximo dia 7, todos nas ruas. Todos de verde e amarelo. Vamos mostrar ao mundo que estamos unidos no mesmo ideal", disse.  

Na data da comemoração, Bolsonaro dobrou a aposta com discursos em tom eleitoral, tanto no Rio de Janeiro, como em Brasília. Acompanhado pela ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e pelo candidato a vice-presidente na sua chapa, general Walter Braga Netto, pediu a seus apoiadores que votassem e mudassem a opinião de outras pessoas a seu favor. Em seu discurso, atacou a esquerda diversas vezes, chamou Lula de "quadrilheiro" e "ladrão", falou de "luta do bem contra o mal", comparou Michelle com a atual primeira-dama Rosângela Silva, mais conhecida como Janja, e puxou um coro de "imbrochável" diante da multidão vestida de verde e amarelo.

Durante a disputa presidencial do ano passado, a campanha de Bolsonaro usou as imagens do 7 de Setembro em propaganda eleitoral, fato que mais tarde foi impedido pelo TSE. O PDT entrou com uma ação no Tribunal acusando o então presidente de usar o cargo e a estrutura para "desvirtuar o evento para promoção de sua candidatura". Já em julho desse ano, ministro Benedito Gonçalves multou Bolsonaro e Braga Netto em R$ 110 mil por descumprirem decisão para excluir conteúdos captados durante o desfile.

Em seu último discurso do dia da Independência como presidente, ainda em 2009, Lula falou de temas ligados a diversas áreas, projetou o futuro e exaltou a descoberta do pré-sal. Vale lembrar que no ano seguinte, seu último no segundo mandato, o então presidente foi vetado de discursar no ato pela Justiça Eleitoral e apenas fez um pronunciamento oficial em rádio e TV.

"Esta nova independência tem nome, forma e conteúdo. Seu nome é pré-sal, seu conteúdo são as gigantescas jazidas de petróleo e gás descobertas nas profundezas do nosso mar. Sua forma é o conjunto de projetos de lei que enviamos, há poucos dias, ao Congresso Nacional e que vai garantir que esta riqueza seja corretamente utilizada para o bem do Brasil e de todos os brasileiros", disse Lula, em 2009. "É por isso que propomos que os recursos do pré-sal sejam colocados em um fundo social, controlado pela sociedade, e que será aplicado, majoritariamente, em desenvolvimento humano. De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que nos ajudará, entre outras coisas, a pagar a imensa dívida que o País tem com a educação e a pobreza", completou.

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